sábado, 16 de maio de 2009

Uma Vida II

Chamava-se João.



Adorava o cheiro dos livros acabadinhos de comprar. Ou na livraria ou no alfarrabista. Tanto fazia...


Fechava os olhos e sentia aquele odor entrando dentro de si, tomando-lhe as fossas nasais de assalto, tomando conta da garganta, faringe, laringe, brônquios, bronquíolos, alvéolos pulmonares...



PUMBA



HEMATOSE



Nessa hematose ganhava minutos de vida. Suas mãos soerguiam-se, passeavam-se pela capa languidamente, provocadoras, como quem seduz e prende uma presa... e não se cansava de tocar, tocar e tocar e a cada toque lascivo uma hematose prolongada de odor... Virava-os de um lado, virava-os do outro. Era o kamasutra do livro. Lia a sinopse. Lia a contra-capa. Lia o colefão. E quanto mais lia, mais lhe apetecia retardar o momento final, lendo apenas os apetisers salivava já de paixão só com o momento que ainda estava para vir.



Dava uma espreitadela, lia as primeiras linhas, como quem rouba um beijo.

Voltava a fechar.

Mais uma leituradela rápida numas linhas mais abaixo da primeira página como quem faz uma dança de ombro .

Voltava a fechar.

Passava os dedos de uma enfiada pelas folhas à toa como quem passa a mão num corpo já a ferver.

Ria, voltava a fechar.

Os preliminares do livro, o tantra da leitura...


Chamava-se João e só começava a ler já em casa, no sofá, como quem esperou por um amante depois de muitas investidas.